No capítulo anterior escrevi:
Já idoso, em 1590, o sesmeiro Francisco
Velho vendeu a sua sesmaria denominada "Enseada de Francisco Velho",
com todos os seus terrenos, nome pelo qual as posses do co- fundador da cidade
eram conhecidas, a “ João Pereira de Sousa, conhecido como
"Botafogo", por ter sido chefe da artilharia do famoso São João
Baptista, também, chamado de “O Botafogo, na época o mais poderoso navio de
guerra do mundo ”, outra fonte afirma que esse apelido Botafogo, também, “era
dado aos arcabuzeiros, homens especialistas em armas de fogo manuais”.
Arco do Teles
Autor desconhecido
Mais, a Muy Leal teve seus
percalços e dois séculos depois, em 1790, precisamente na “ madrugada de 20 de
julho de 1790 lavrou furioso incêndio no prédio do Senado da Câmara do Rio de
Janeiro, que funcionava num casarão ao lado do Arco do Telles, no Largo do Paço,
atual Praça XV”.
“ O Senado da Câmara, um
equivalente à Câmara de Vereadores, ao qual era instalada juntamente com a
criação de vilas e cidades, seguindo as orientações contidas nas Ordenações
Manuelinas e Filipinas, era um órgão consultivo, legislativo e judiciário.
Atuava como representante dos interesses da população, de sua composição faziam
parte os “homens de bem”, isto é, pertencentes à nobreza, ao clero e à milícia,
sendo chamados de oficiais devido ao fato de cada membro possuir um encargo”.
Bandeira do Senado da Câmara do Rio de Janeiro
O incêndio foi criminoso,
contudo caiu como um chinelo velho em pé doente, porque o Senado da Câmara, com
o intuito de arrecadar mais recursos, estava lutando para tornar a maior parte
dos terrenos da Cidade do Rio de Janeiro em “terras públicas”.
Incêndio do Senado da Câmara do Rio de Janeiro.
Essas “terras públicas visavam
o abastecimento, a moradia e subsistência dos povoadores, na medida em que
avançava a colonização, pois passavam a ser consideradas propriedades do Senado
da Câmara do Rio de Janeiro, que arbitrava sobre esses domínios na medida em
que demandavam suas necessidades e interesses de seus oficiais’, e o que,
obviamente, seriam distribuídas pelos novos apaniguados dos poderosos de
então.
“ Para Alexandre José Melo
Morais, em O Patrimônio Territorial da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Rio
de Janeiro, Tipografia Camões, 1881, a Câmara teria falsificado doações feitas
por Estácio de Sá em seu nome. Reclamava para si como aforados terrenos dados
em sesmaria a particulares e usurpava da população o direito sobre as terras do
centro do Rio”.
Jeitinho pra lá, jeitinho pra
cá, “ o Senado da Câmara do Rio de Janeiro obteve a Ordem Régia de 8 de janeiro
de 1794, já na Regência do futuro Dom João VI em nome de sua Augusta Mãe, a
senhora Dona Maria I, que lhe confirmou todas as suas propriedades em terras,
os seus ‘ domínios aforados’, mas mesmo assim muita coisa se perdeu e inúmeras
terras que eram públicas viraram particulares da noite para o dia, e vice-versa”.
Lembro que “o aforamento era a
principal forma do Senado da Câmara do Rio de Janeiro obter rendimentos e assim
suprir com suas necessidades e tributos”.
“ Foro – taxa anual
perpétua a ser paga aos detentores do chamado “direito real”, sobre um
determinado terreno, por aqueles que detêm a propriedade, ou o chamado “domínio
útil” do imóvel. Quando não estabelecida em contrato, a taxa é de 0,6% do valor
da fração ideal de terreno. A Prefeitura do Rio cobra R$ 1 por ano. O título de
direito real pode ser transferido a terceiros indefinidamente.
“Aforamento- ato ou
efeito de levar a foro ou juízo”.
A disputa para obtenção de
terrenos entre os herdeiros dos primeiros povoadores e ordens religiosas com o
Senado da Câmara eram constantes desde o século XVII.
Um exemplo são as terras
localizadas no hoje bairro do Flamengo reclamadas pelos Beneditinos, terrenos
esses que teriam sido dados pelo do Senado da Câmara do Rio de Janeiro em
aforamentos de 1618 a Sebastião Gonçalves Sapateiro, um dos primeiros
habitantes da região. Nesse conflito a Coroa Portuguesa tendeu para a Ordem
Religiosa, aliás, como sempre os Soberanos português tendiam.
Mais essas disputas eram,
também, com outros proprietários.
Em 1567 a sede da Cidade foi
transplantada para o Morro do Castelo, então denominado como Morro do Descanso
e hoje demolido, bem em frente a ilha onde os franceses haviam construído o
Forte Coligny.
Os portugueses construíram a Fortaleza
de São Sebastião do Castelo, a Casa do Governador, o Senado da Câmara do Rio de
Janeiro, o Colégio dos Jesuítas, a Igreja dos Jesuítas, a Igreja de São
Sebastião, onde foi instalada a Prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro, os
Armazéns, e a Cadeia.
Peça de mármore com
o símbolo das armas portuguesas, assentada por Estácio de Sá em 1565
Lápide de Estácio
de Sá
“Aqui jaz Estacio
de Saa prº capitão e cõqvístador desta terra e cidade e a campa mãdov fazer
Salvador Corea de Saa sev primo segdº capitão e glrº com svas armas e esta
capella acabov o ano de 1583”.
Em português
moderno é: “Aqui jaz Estácio de Sá, primeiro capitão e conquistador desta terra
e cidade, e a campa mandou fazer Salvador Corrêa de Sá, seu primo e segundo
capitão e governador, com as suas armas. E essa capela acabou no ano 1583”.
Ambos na Igreja de
São Sebastião dos Frades Capuchinhos
Rua Haddock Lobo,
266 - Tijuca
Rio de Janeiro -
RJ
Trouxeram, também, o Marco de
pedra da fundação da cidade por Estácio e Sá, bem como seus restos mortais,
ambos trazidos da então chamada “ Cidade Velha” do sopé do Morro Cara de Cão.
Assim o Rio de Janeiro
crescia, portanto se fazia necessário um Caminho que ligasse a Sesmaria de
Botafogo, terras produtivas, com o Centro, e por isso surgiu o Caminho Velho de
Botafogo.
E El-Rey dividiu o Brasil em
duas partes, com dois Governos, sendo São Salvador da Baia de Todos os Santos a
capital do Brasil Norte, e a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro a
capital do Brasil Sul, obviamente com dois executivos denominados Govenadores
Gerais.
Antônio Salema (Alcácer do
Sal, Alentejo — Lisboa, 13 de março de 1586) foi nomeado Governador-Geral do
Sul do Brasil para o período de 1574 até 1577. Salema organizou na Região da
Lagoa Rodrigues de Freitas, então Freguesia de Sacopenapã, o Engenho d’El Rey,
e para facilitar o acesso “ mandou construir uma ponte, conhecida como a ponte
do Salema, onde hoje é a praça José de Alencar, fato que dinamizou o Caminho
Velho de Botafogo”.
Curiosidade: “ Os portugueses
chamavam a área de Lagoa dos Socós, pois havia muitas dessas aves por lá. Já no
século seguinte, em 1660, as terras foram adquiridas por Rodrigo de Freitas
Castro e Mello, que ao voltar para Portugal deixou a área de herança para seu
filho Rodrigo de Freitas. Daí veio o nome: Lagoa Rodrigo de Freitas”.
Mais voltemos a Botafogo.
“ Em 16 de novembro de 1676, a
Bula do Papa Inocêncio XI “Romani Pontificis pastoralis sollicitudo”, elevou a
antiga Prelazia de São Sebastião à categoria de Diocese, sendo nomeado seu
primeiro Bispo Dom Frei Manuel Pereira (Lisboa, *1625 - + 6 de janeiro de
1688), Dominicano, que não tomou posse, seu segundo Bispo foi Dom José de
Barros Alarcão,1680 — 1700, que teve como Cabido da Sé, Vigário Geral,
Arcediago e Tesoureiro-Mor, o padre Clemente Martins de Matos, que havia se
formando em Roma”.
Clemente Martins de Matos
nascido no Rio de Janeiro era filho do Capitão e Vereador Álvaro de Matos e de
Dona Marta Filgueira. O padre Clemente Martins de
Matos foi um desastre nessas funções junto a Diocese – não tinha vocação para
padre, tanto que antes de ir para Roma foi “ expulso do seminário em Lisboa por
ter se envolvido com mulheres - mas
ficou rico, tanto que em 1680 comprou a sesmaria de Botafogo, cujas terras
tinham como limite a Enseada de Botafogo, a "Lagoa de Sacopenapã"
(rebatizada em 1703 para Rodrigo de Freitas, seu dono), bem como os morros que
depois se chamaram de São João e Santa Marta”.
E senhor das terras o padre
Clemente organizou a Fazenda São Clemente.
O padre Clemente erigiu a
Capela de São Clemente, seu santo onomástico, abrindo um caminho de acesso a
ela que saia da enseada e o denominou “ Caminho de São Clemente”.
“ A capela dedicada a São
Clemente, existiu até o princípio do século XX, no final da Rua Viúva Lacerda, hoje
no Humaitá, o que prova que o traçado do “ Caminho de São Clemente” serviu para
a implantação da Rua São Clemente”.
O padre Clemente foi quem
batizou o Morro Santa Marta em homenagem a sua mãe, Dona Marta Filgueira.
Morreu o padre Clemente
Martins de Matos em 8 de junho de 1702, aos 74 anos, mas eu não tenho ideia
onde foram parar seus restos mortais.
Herdou a Fazenda São Clemente
seu irmão Francisco Martins que, creio eu, a vendeu “ao casal Pedro Fernandes
Braga e Da. Bárbara Corrêa Xavier, que a retalharam toda e venderam os lotes”.
Fim da Parte II
Continua...