terça-feira, 8 de novembro de 2016

Botafogo, local de minha primeira morada. Parte II.

No capítulo anterior escrevi:

Já idoso, em 1590, o sesmeiro Francisco Velho vendeu a sua sesmaria denominada "Enseada de Francisco Velho", com todos os seus terrenos, nome pelo qual as posses do co- fundador da cidade eram conhecidas, a “ João Pereira de Sousa, conhecido como "Botafogo", por ter sido chefe da artilharia do famoso São João Baptista, também, chamado de “O Botafogo, na época o mais poderoso navio de guerra do mundo ”, outra fonte afirma que esse apelido Botafogo, também, “era dado aos arcabuzeiros, homens especialistas em armas de fogo manuais”.



Arco do Teles
Autor desconhecido

Mais, a Muy Leal teve seus percalços e dois séculos depois, em 1790, precisamente na “ madrugada de 20 de julho de 1790 lavrou furioso incêndio no prédio do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que funcionava num casarão ao lado do Arco do Telles, no Largo do Paço, atual Praça XV”.
“ O Senado da Câmara, um equivalente à Câmara de Vereadores, ao qual era instalada juntamente com a criação de vilas e cidades, seguindo as orientações contidas nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, era um órgão consultivo, legislativo e judiciário. Atuava como representante dos interesses da população, de sua composição faziam parte os “homens de bem”, isto é, pertencentes à nobreza, ao clero e à milícia, sendo chamados de oficiais devido ao fato de cada membro possuir um encargo”.


Bandeira do Senado da Câmara do Rio de Janeiro

O incêndio foi criminoso, contudo caiu como um chinelo velho em pé doente, porque o Senado da Câmara, com o intuito de arrecadar mais recursos, estava lutando para tornar a maior parte dos terrenos da Cidade do Rio de Janeiro em “terras públicas”.

Incêndio do Senado da Câmara do Rio de Janeiro. 

Essas “terras públicas visavam o abastecimento, a moradia e subsistência dos povoadores, na medida em que avançava a colonização, pois passavam a ser consideradas propriedades do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que arbitrava sobre esses domínios na medida em que demandavam suas necessidades e interesses de seus oficiais’, e o que, obviamente, seriam distribuídas pelos novos apaniguados dos poderosos de então. 
“ Para Alexandre José Melo Morais, em O Patrimônio Territorial da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Tipografia Camões, 1881, a Câmara teria falsificado doações feitas por Estácio de Sá em seu nome. Reclamava para si como aforados terrenos dados em sesmaria a particulares e usurpava da população o direito sobre as terras do centro do Rio”.
Jeitinho pra lá, jeitinho pra cá, “ o Senado da Câmara do Rio de Janeiro obteve a Ordem Régia de 8 de janeiro de 1794, já na Regência do futuro Dom João VI em nome de sua Augusta Mãe, a senhora Dona Maria I, que lhe confirmou todas as suas propriedades em terras, os seus ‘ domínios aforados’, mas mesmo assim muita coisa se perdeu e inúmeras terras que eram públicas viraram particulares da noite para o dia, e vice-versa”.
Lembro que “o aforamento era a principal forma do Senado da Câmara do Rio de Janeiro obter rendimentos e assim suprir com suas necessidades e tributos”.

“ Foro – taxa anual perpétua a ser paga aos detentores do chamado “direito real”, sobre um determinado terreno, por aqueles que detêm a propriedade, ou o chamado “domínio útil” do imóvel. Quando não estabelecida em contrato, a taxa é de 0,6% do valor da fração ideal de terreno. A Prefeitura do Rio cobra R$ 1 por ano. O título de direito real pode ser transferido a terceiros indefinidamente.
“Aforamento- ato ou efeito de levar a foro ou juízo”.

A disputa para obtenção de terrenos entre os herdeiros dos primeiros povoadores e ordens religiosas com o Senado da Câmara eram constantes desde o século XVII.
Um exemplo são as terras localizadas no hoje bairro do Flamengo reclamadas pelos Beneditinos, terrenos esses que teriam sido dados pelo do Senado da Câmara do Rio de Janeiro em aforamentos de 1618 a Sebastião Gonçalves Sapateiro, um dos primeiros habitantes da região. Nesse conflito a Coroa Portuguesa tendeu para a Ordem Religiosa, aliás, como sempre os Soberanos português tendiam.
Mais essas disputas eram, também, com outros proprietários.


Em 1567 a sede da Cidade foi transplantada para o Morro do Castelo, então denominado como Morro do Descanso e hoje demolido, bem em frente a ilha onde os franceses haviam construído o Forte Coligny.
Os portugueses construíram a Fortaleza de São Sebastião do Castelo, a Casa do Governador, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro, o Colégio dos Jesuítas, a Igreja dos Jesuítas, a Igreja de São Sebastião, onde foi instalada a Prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro, os Armazéns, e a Cadeia.

Peça de mármore com o símbolo das armas portuguesas, assentada por Estácio de Sá em 1565

Lápide de Estácio de Sá
“Aqui jaz Estacio de Saa prº capitão e cõqvístador desta terra e cidade e a campa mãdov fazer Salvador Corea de Saa sev primo segdº capitão e glrº com svas armas e esta capella acabov o ano de 1583”.

Em português moderno é: “Aqui jaz Estácio de Sá, primeiro capitão e conquistador desta terra e cidade, e a campa mandou fazer Salvador Corrêa de Sá, seu primo e segundo capitão e governador, com as suas armas. E essa capela acabou no ano 1583”.

Ambos na Igreja de São Sebastião dos Frades Capuchinhos
Rua Haddock Lobo, 266 - Tijuca
Rio de Janeiro - RJ

Trouxeram, também, o Marco de pedra da fundação da cidade por Estácio e Sá, bem como seus restos mortais, ambos trazidos da então chamada “ Cidade Velha” do sopé do Morro Cara de Cão.
Assim o Rio de Janeiro crescia, portanto se fazia necessário um Caminho que ligasse a Sesmaria de Botafogo, terras produtivas, com o Centro, e por isso surgiu o Caminho Velho de Botafogo.
E El-Rey dividiu o Brasil em duas partes, com dois Governos, sendo São Salvador da Baia de Todos os Santos a capital do Brasil Norte, e a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro a capital do Brasil Sul, obviamente com dois executivos denominados Govenadores Gerais.
Antônio Salema (Alcácer do Sal, Alentejo — Lisboa, 13 de março de 1586) foi nomeado Governador-Geral do Sul do Brasil para o período de 1574 até 1577. Salema organizou na Região da Lagoa Rodrigues de Freitas, então Freguesia de Sacopenapã, o Engenho d’El Rey, e para facilitar o acesso “ mandou construir uma ponte, conhecida como a ponte do Salema, onde hoje é a praça José de Alencar, fato que dinamizou o Caminho Velho de Botafogo”.
Curiosidade: “ Os portugueses chamavam a área de Lagoa dos Socós, pois havia muitas dessas aves por lá. Já no século seguinte, em 1660, as terras foram adquiridas por Rodrigo de Freitas Castro e Mello, que ao voltar para Portugal deixou a área de herança para seu filho Rodrigo de Freitas. Daí veio o nome: Lagoa Rodrigo de Freitas”.
Mais voltemos a Botafogo.
“ Em 16 de novembro de 1676, a Bula do Papa Inocêncio XI “Romani Pontificis pastoralis sollicitudo”, elevou a antiga Prelazia de São Sebastião à categoria de Diocese, sendo nomeado seu primeiro Bispo Dom Frei Manuel Pereira (Lisboa, *1625 - + 6 de janeiro de 1688), Dominicano, que não tomou posse, seu segundo Bispo foi Dom José de Barros Alarcão,1680 — 1700, que teve como Cabido da Sé, Vigário Geral, Arcediago e Tesoureiro-Mor, o padre  Clemente Martins de Matos, que havia se formando em Roma”. 
Clemente Martins de Matos nascido no Rio de Janeiro era filho do Capitão e Vereador Álvaro de Matos e de Dona Marta Filgueira.     O padre Clemente Martins de Matos foi um desastre nessas funções junto a Diocese – não tinha vocação para padre, tanto que antes de ir para Roma foi “ expulso do seminário em Lisboa por ter se envolvido com mulheres -  mas ficou rico, tanto que em 1680 comprou a sesmaria de Botafogo, cujas terras tinham como limite a Enseada de Botafogo, a "Lagoa de Sacopenapã" (rebatizada em 1703 para Rodrigo de Freitas, seu dono), bem como os morros que depois se chamaram de São João e Santa Marta”.
E senhor das terras o padre Clemente organizou a Fazenda São Clemente.
O padre Clemente erigiu a Capela de São Clemente, seu santo onomástico, abrindo um caminho de acesso a ela que saia da enseada e o denominou “ Caminho de São Clemente”.
“ A capela dedicada a São Clemente, existiu até o princípio do século XX, no final da Rua Viúva Lacerda, hoje no Humaitá, o que prova que o traçado do “ Caminho de São Clemente” serviu para a implantação da Rua São Clemente”.
O padre Clemente foi quem batizou o Morro Santa Marta em homenagem a sua mãe, Dona Marta Filgueira.
Morreu o padre Clemente Martins de Matos em 8 de junho de 1702, aos 74 anos, mas eu não tenho ideia onde foram parar seus restos mortais.
Herdou a Fazenda São Clemente seu irmão Francisco Martins que, creio eu, a vendeu “ao casal Pedro Fernandes Braga e Da. Bárbara Corrêa Xavier, que a retalharam toda e venderam os lotes”.

Fim da Parte II


Continua...

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